segunda-feira, 29 de setembro de 2008

UM ANJO À SOLTA

Amanheces neste jardim de silencios
onde nada è exacto
nem a viagem que subscrevo
para agitar os pássaros

Talvez por isso vindime
até ao mosto
só para te nomear

mas quando fluis a voz
no deslize da chuva
e o vento em remoinho
te circula pernas acima
voo
demando os barcos
solto-me das palavras
neste jardim de silencios
tão verdes e penteados
onde ausente na curva dos dias
rente à fala
vais sepultando o corpo
a cantar
como um anjo à solta

Amanheces sem alegria mas cantas
e eu viajo ardendo
mesmo por cima das videiras
só para te ouvir cantar

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O RIO À NOSSA MESA

foto de Eduardo Gageiro


Aparentemente livres

nas margens deste rio

insondáveis onde se cruzam brisas

e afagam retratos

recuperámos as nossas velas

transportámo-nos para o mar



No marulhar desta povoação

de sílabas quase perfeitas

desaguámos lentos

desenhámos garatujas

na coluna dos barcos

sem amarração



De tão quedas as águas

recortámos memórias

em pedaços de tremulina

sentámo-nos nas margens

a invocar a sede

a rasgar com um sopro

uma espécie de tempestade



Livres e insondáveis

perguntámos ao rio

se queria sentar-se à nossa mesa

e ele disse que sim




sexta-feira, 19 de setembro de 2008

OCULTA NO GRASNAR DAS AVES

Os barcos ainda não tinham
abandonado o chão das águas
já vergavas o corpo
na corda tensa
enterravas os pés
e deixavas os peixes saltarem
nos teus olhos prateados
Exilada no próprio corpo
emerges deusa quase perfeita
ao pôr do sol
num desencontro de preces

mas só quando a deshoras

te abres em flor e desnudas

entregas o resto das forças

a um beijo

adormeces oculta

no grasnar das aves

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

VAMOS CONSTRUIR UM BARCO?



Neste fim do nada

e palavras soltas

as águas em desmaio

invadiram a nossa praia

purgam-se nas areias


Sacudi-me dos pássaros

para te nomear

mas ainda hoje não sei

se és falésia

sombra em ascensão


Neste fim do nada

o equilibrio na assimetria

mesmo nas folhas caídas

anunciam neste chão

barcos indecifráveis

sempre a partir e a chegar

porque o mar

é o sangue das nossas veias


Neste fim do nada

precisamente onde do nada

nada se cria

os pássaros em demanda

da árvore anfíbia

não passam de partículas

a evaporarem-se nos teus olhos


Meu amor do fim do nada

vamos construir um barco?

sábado, 13 de setembro de 2008

APOPLEXIA DA IDEIA


DIA 26 SETEMBRO ÀS 18H NA FNAC DO CHIADO
LANÇAMENTO DO LIVRO DE POESIA
DE MARIA QUINTANS COM FOTOS DE JOÃO CONCHA E APRESENTAÇÃO DE LAURO ANTÓNIO

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

FLORES DE ESPUMA

Pintura de Berthe Marisot


Um círculo de garças

nem brancas nem esguias

adormecem nos barcos ancorados

com olhos excessivos


Nesta ilha sem vista para o mar

navegam águas improváveis

faúlhas num incendio

de partículas sitiadas


Aqui paira o aroma da cânfora

em ressonâncias quase divinas

pousam lábios em cálices de cicuta


O mar não é sempre azul

e talvez por isso se agite

nos mapas imaginários

rasgue caminhos

para não se perderem os naufragos


Nesta ilha de bálsamos

onde os destinos se desmentem

afagamos ruinas soltamos hinos

por sobre a memória das pedras


damos voz aos silêncios

até que as garças

se tornem brancas e esguias

como flores de espuma

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

O PAÍS PULA NA POALHA


Neste parqueamento à beira-mar betonado Cavaco purga-se a leste, Ferreira Leite expurga-se na universidade de verão, Sócrates pilantra com Pedroso, o país pulula no desemprego, pasma, como se fosse paspalho. O país putativo - pula na poalha.