domingo, 28 de junho de 2009

O TRANGALHADANÇAS

olbinski

A pedido dos monges da Arrábida foi construída uma fortaleza para proteger o litoral. A vida pode ser uma surpreza. A fortaleza, hoje museu oceanográfico é uma referencia no corpo da serra.

Deslumbrados com o património florístico e os monumentos geológicos deste sopro da natureza, percorremos magestosas paisagens na bio-diversidade deste ecossistema.

Desaguámos na enseada do Portinho, numa das mais belas baías do mundo, no espaço poético de Sebastião da Gama.

A doce Arrábida debruça-se abrupta em madeixas de verdes até afagar o rio azul, à vista de roazes e finíssimas areias.

Na esplanada de um restaurante, com os olhos nos olhos dos peixes e dos albatrozes, distribuíamos miolo de pão, saboreávamos salmonetes, nascidos, crescidos e baptizados no Sado.

Não fora a exploração desastrosa da alma e do corpo da serra para a produção de cimentos, uma ferida que sangra os olhos, mais a recente memória da incineradora de lixos tóxicos em nome do mercado de capitais, estaríamos sem máculas num pulmão que respira.

- A serra queixa-se do trangalhadanças.

Na mesa ao lado um sujeito de cabelo grisalho e nariz ponteagudo, tresandava a brilhantina. Levantou um braço, limpou-se a um guardanapo de papel e questionou-nos com voz falsete.

- Trangalhadanças? Estão a falar comigo?

- Naturalmente sr engenheiro.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

À PERGUNTA DO MAR



Estava com os olhos presos
no espelho do rio
quando as margens
se moveram
com aves a acenarem
famintas de um sinal
para fluirem

Das águas submersas
o coaxar dos remos
regressou à tona

Os saveiros passaram
a andar num rodízio
de memórias

Bastou libertar um pó
para desprender os olhos
partir para a faina

à pergunta do mar

terça-feira, 16 de junho de 2009

ROTA NAVEGÁVEL



Não sabíamos que os rios
podiam cair dos céus
sem deixarem de ser água
mas quando te vi
tão livre líquida quase humana
a moldar arestas
vesti a pele das aves
para descobrir o sentido do voo
a voz abrupta dos violinos

Adentro prisioneiros com destino
num instante de chuva
a desaguar por sobre as pedras
eternos e frágeis
compreendemos o sopro do vento
contra o vento

começámos a construir
a pulso
gota a gota
uma rota navegável

sexta-feira, 12 de junho de 2009

MILITANTES DA VIDA

Alvaro Cunhal
Vasco Gonçalves

Eugénio de Andrade

A vida oferece-nos exemplos magnânimos de cidadãos íntegros que se evidenciam pela entrega a causas comuns e marcam gerações.
A 11 e 13 de Junho de 2005 - três militantes da vida, legaram-nos valores que são património inestimável para todos os amanhãs.
Presto-lhes esta modesta homenagem.
Não deixemos morrer os nossos mortos.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A PRIMITIVA CHAMA



Neste chão que bebemos às mãos cheias
tudo se move em círculos de faúlhas e tremulinas

até a ancorada sombra das pedras
rasga percursos
no mesmo espaço das aves
em voos rasos
por sobre um lume de grinaldas
ao longe muito longe
onde um barco em flor
nos quer sonhar

Vindimamos estranhas marés
miragens quase perfeitas
e outros velames

Colhemos o sopro nas pétalas que dardejam
cumprimos as sílabas pelos dedos
para que tudo aconteça
com um toque irrepetível
no ressoar das águas

mas que não arda
a primitiva chama