quarta-feira, 28 de abril de 2010

quarta-feira, 21 de abril de 2010

CHÃO DE PÉTALAS

                                                          Gustav Klimt




A princípio eras um nimbo
a desfolhar-se
por entre mastros
no remanso das águas

um rio a gatinhar escombros
em surdina
um farol a projectar mais longe
a luz retida no cais

Foi assim
vestida de barcos
que te vi içar velas
contra o vento
até os olhos se fundirem
num vagaroso instante

Foi assim
que te ofereci os meus silêncios
muito antes de madrugarmos em flor

num chão de pétalas




quarta-feira, 14 de abril de 2010

BEIJO O TEU RETRATO





Nunca vivemos mares deshabitados

nem hoje quando passo
só para te ver
resgatar aromas
à nossa flor preferida

nem hoje quando nos olhamos
como se fossemos um rio
no chão de uma ponte
e o chão da ponte fosse um espelho
de águas interditas
onde ainda não se pode passar

Quando os barcos se fizeram à claridade
entraram pelo corpo a cantar
ao som de um relógio de pêndulo

talvez por isso

nas paredes da casa

beijo o teu retrato





quinta-feira, 8 de abril de 2010

PELA BERMA DOS TEUS OLHOS





Levantámos âncoras
libertámos o pó das azinhagas

e foi assim

a bordejar caminhos
que as gavinhas cresceram
enclavinhadas nas nossas mãos

Muito para lá da erosão do tempo
folha ante folha
ainda há um barco que se ateia
contra o vento
um pássaro que resiste
e se demora nas arribas

nos mesmos sítios onde vertiginosas
se desmoronam as palavras

pela berma dos teus olhos





quinta-feira, 1 de abril de 2010

UM RIO SEM MARGENS

                                                     René Magritte


Nas minhas veias já fluia um rio
quando julgávamos saber tudo
mas ainda não tinha nascido a primavera

Aconteceste herética solta e doce
no meu cavalo
desobrigada de destinos

Eu sabia que partilhávamos o uivo
quase infinito dos cães

só não sabia se anoiteciam
ou iluminavam as nossas estrelas

Encontrámo-nos estranhos
numa povoação de salivas
e foi assim que partimos
a navegar azinhaga fora

Apanhávamos amoras e papoilas
despojados de tudo
menos da tua voz silvestre
onde um pássaro desconhecido
cantava um rio sem margens
até ficarmos presos nas silvas

Vamos construir um barco?

Que fizeste do meu cavalo
e do uivo dos cães?

Estão a chegar meu amor