terça-feira, 31 de agosto de 2010

OBAMA UM POLIÉDRICO COM MANSAS PALAVRAS



Muita e boa gente acreditou por bem num Obama messiânico, como se fosse possível o polvo da economia predadora consentir no poder um reformador universal em favor dos explorados que vivem desgraçados nos subúrbios da vida.

Obama vai anunciar ao mundo o fim da guerra do Iraque onde os seus soldados permanecerão pelo menos até 2011 e os muitos milhares de inocentes mortos eternamente.

Obama só não é mártir porque serve o sistema que o mantem vivo.

Na minha modesta opinião os indivíduos mais perigosos no poder são os que parecem anjos com palavras mansas - poliédricos.


terça-feira, 24 de agosto de 2010

SIM SENHORA MINISTRA

Nota prévia -
esclareço que a imagem mostra uma senhora desconhecida que admito tenha sido ministra. Talvez por ela tenha escrito o texto que torno a publicar.


Inconformado mas tranquílo navegava descontraído ao sabor da música de Nat King Cole, pelas ruas da net. A sorver um inestimável cigarro naveguei, naveguei, até entrar por acaso numa sala de conversa, em mesa redonda. Cumprimentei com um olá abrangente. O fórum pareceu-me uma récita de finalistas e alguém entretanto respondeu com voz terna e macia com outro olá.
Trocámos moradas e um outro dia cliquei - zebra@mail. pt.

Acordámos um encontro na pastelaria Versalhes.

Era sexta feira, dia das cidades sem carros e na avenida da república foi comovedor apreciar um punhado de gente a correr como espermatozóides a respirarem finalmente pelos pulmões - de bicicleta, de patins, a cavalo, ao pé coxinho - vitoriosos, saltitantes, castos e inocentes.
Ouvi alguém recordar que o vento é o ar em movimento.

Na verdade o governo nas varandas de São Bento, em estado crítico de parto orçamental, aplaudia-se a si mesmo enquanto o ar quimicamente puro entrava e saía nos amplos salões.

Estávamos nos útimos lampejos do Verão quando me dirigi ao micro clima da Versalhes que distinta luzia nos florais dourados, nos tiques barrocos da fauna residente, no brilho cristalino dos espelhos, na nata das conversas, nas minhas lentes de contacto.

Às dezassete horas em ponto, uma galáxia de estrêlas cadentes entrava na pastelaria, Dirigiu-se à mesa. Parecia uma papoila. Não andava - deslizava, voláctil, aparentemente frágil mas insinuante. Vestia seda natural - exibia discretos viveiros de rosas polícromas . Cravos nem um.

Alta, amendoada, olhos felinos, nuca rapada - calou a Versalhes e eu confesso que fiquei com a ideia de ver uma personagem conhecida.

Cumprimentámo-nos com alguma solenidade. A sua mão ou a minha tremia humedecida.

Tomámos o chá em porcelana bago de arroz e falámos, falámos - ternos , criativos, inocentes.

Concluí que talvez pertencesse à comunidade de Santo Egídio, empenhada na cultura para a paz, na mediação internacional - uma frente organizada e independente mas da total confiança política do Vaticano.

Inesperadamente fui convidado para visitar a piscina interior de um hotel. Com a naturalidade de quem procura substância para uma crónica, aceitei o convite.

Desviámo-nos um pouco da avenida da república, apanhámos um táxi, chegámos ao hotel - óbviamente um cinco estrêlas.

No lancil - uma jovem andrajosa raspava as cordas de um violino lacrimoso, rezava por uma moeda, num debotado copo plástico da coca-cola. Parámos enquanto ela olhou a rapariga.Com os dedos esguios retirou um brinco da orelha que deixou maternal no copo das esmolas - e eu com o mesmo sentido cooperante deitei a mão ao bolso do casaco mas só encontrei um auto-colante contra a co-incineração na serra da Arrábida.

Entrámos. No átrio da piscina a música de fundo oferecia Nat King Cole.
Pedi um Cuty Sark e a minha companheira, como se estivesse na intimidade do doce lar - começou a despir o vestido de seda, a espargir um ténue perfume a rosas e a revelar um lindíssimo fato de banho.

As riscas de zebra, perfeitamente selvagens, listavam-lhe todo o corpo amendoado - coladas à pele penetravam-lhe os ângulos, as reentrâncias, os espaços bojudos, os precipícios - das unhas dos pés até à nuca rapada.

Por dentro não vi nada de muito significativo, mas quando lenta e solenemente se aproximou da água, reparei que não tinha uma única peça de roupa vestida. Numa nádega era evidente a assinatura do pintor.

Rodando o pescoço - óptimo para o sinistro tempo da guilhotina, olhou-me fixamente com outros olhos. Estava triste. Revelava uma profunda solidão interior e eu inquietei-me.

Sempre a fixar-me deu uns passos e permitiu que uma lágrima solta, desamparada, tingisse a água da piscina. Mais me inquietei quando não conteve um breve sorriso nervoso e me interrogou, terna e com voz macia.
Fui remodelada, sabia?
Compreensivo e terno respondi
Sim senhora ministra.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

FLORES DO DESERTO



Tudo acontece num grito
de barcos
que se ateia
em pleno voo
solto de asas e velas
espantado de tanto espaço
para voar
rema passo a passo
na direcção de um só vento
caminhos sem poiso

indomável
ergue-se
em mastros de luz
resiste ama desobedece
nas mais belas flores do deserto

num levantamento de pássaros

terça-feira, 10 de agosto de 2010

OS TERNOS OLHOS DOS CÃES



Neste país que amamos e está a arder muito antes da chegada do Verão, os ciclistas partiram para mais uma etapa.
No topo da montanha uma senhora, sem graça, premiu o gatilho à hora do calor e os atletas lá foram, a pedalar contra o tempo, para o fogo do seu ganha pão.
Neste país que amamos, betonado à beira-mar ainda desgraçada mente são permitidas touradas e algum povo destila nas praias onde mesmo ao lado - bastante ao lado - se banham os poderosos da nação.
Neste país - também aqui - no paraíso dos silêncios acordados - assobiei aos cães e lá fomos abrigar-nos dos sois - na sombra linda do nosso pinheiro preferido - com os pés mergulhados num alguidar de água salgada e pedras de gelo.
Sós mas nunca isolados neste mar arável.
Tranquilo li em voz alta páginas dos nossos Fernando Pessoa.
Foi uma tarde bem passada,
a avaliar pelos ternos olhos dos cães.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

LUZ DE SOMBRAS



Estávamos num deserto
povoado de espelhos
a compor tempestades
na pauta
à espera que o Verão passasse
em fuga
quando os teus olhos vieram à tona
soltar pétalas
aflorar o sopro do vento
resgatar outras claridades

Estávamos num deserto
quando as pétalas
exaustas se fizeram ao mar
alumiaram silêncios
espargiram perfumes
cardumes de estrêlas
em tons de azul

mas nós queríamos mais

e de tanto querer partimos
por sobre o uivo das areias
decididos a perder-nos

para ver a luz

colher no chão

a própria sombra

em sussurros vagarosos
despir
os nossos passos


segunda-feira, 2 de agosto de 2010

SEARA NOVA


Está em distribuição a revista SEARA NOVA

Imperdível