quinta-feira, 29 de março de 2012

PRIMAVERAS







Gosto de ti em botão
serena glicínia
rainha pendente
arrebatadora sábia tangível
nos jardins desta ilha
rodeada de sonhos
por todos os lados

Gosto das Primaveras
na espuma das marés
lábios perdidos
na boca das sementes
em todos os apeadeiros da vida
mesmo que chovam relâmpagos
e os cães ladrem

mesmo quando faz sol
e o país rebenta
nas areias da praia
à míngua de trovoadas

Gosto de ti senhora


 

sexta-feira, 23 de março de 2012

NOS LÁBIOS DA AREIA



                                                         Desenho de ÁLVARO CUNHAL


Ao entardecer
um bando de pássaros
desenhou
na palma das nossas mãos
uma vida inteira

e tudo parecia azul
no seu linguajar
mais alto que o voo

e assim aconteceram
duas linhas paralelas
prolongadas
que se encontram
aonde os olhos não mentem

Ao fim da tarde
tudo é mais claro

até o branco
nos lábios da areia



 

domingo, 18 de março de 2012

A DUNA SOU EU?

                                                       
                                                       Publicado no meu CAÇADOR DE RELÂMPAGOS

Enquanto aquele anjo permanecer nas areias, bem pode o vento soprar.
O cão ou o velho?
Lentos, trôpegos, com os pés a tracejarem os caminhos de sempre, todos os dias aquelas almas percorriam memórias.
O cão - mais velho que o dono - era o guia, a sua bengala de cego.
Pela orla da praia, desde a gruta onde viviam até à colossal duna, abrupta sobre as águas, as aves marinhas mergulhavam a pique e esbracejavam só para os salpicar.
Lá iam, serenos, livres, sem palavras - imensos.
No ar, o sussurro dos silêncios embalava-lhes os passos num concerto de maresias.
Chegados ao topo da montanha era sempre assim - o velho afagava as orelhas do cão e o cão lambia-lhe as mãos.
Sentados - respiravam infinitos - o perfume das algas - adormeciam no tempo.
Ao longe, muito ao longe, alguém de um barco bramou
Fuja - a duna vai desmoronar-se.
Imperturbável, respondeu baixinho para não acordar o cão
A duna sou eu?

domingo, 11 de março de 2012

ÁGUAS DOCES



                                                           Seixal - foto de Augusto Cabrita



Entram devagar na Ponta dos Corvos
por janelas escancaradas
respiram fundo nos mouchões
nidificam com as aves

por instantes quedam-se
para os barcos escutarem timbres
no brilho forjado das varandas
com sardinheiras
que se despem ao espelho

No remanso
quando a gaivota mais antiga
expressa sinais silvestres
retiram-se lentas
afagam margens
mostram o chão
que já foi de areias
e apanhadores de seixos

Na bruma das pedras
plangentes moinhos de marés
registam os ciclos vertebrados
das águas doces


terça-feira, 6 de março de 2012

AZUIS QUE SE DESFOLHAM



Nem todas as lágrimas
caem dos céus
tantas são as madrugadas
na tua boca ao relento

desejos ocultos que alumiam
fogueiras tranças
baladas e ancas
caminhos longos

Quando sobes escarpas
a pulso
descobres raizes improváveis
por onde corre um rio cigano

e há velas latinas
que remam barcos
contra o vento

azuis que se desfolham
para a chuva cair apátrida
nos teus olhos


 

sexta-feira, 2 de março de 2012

À HORA DO ENTARDECER





As mãos não são para dar
mas nós crescemos de mãos dadas

ainda hoje

quando o vento sopra
deciframos sons por gestos
dedilhamos acordes
vergamos remos
contra o uivo
no bojo dos barcos

de mãos dadas

nos oráculos do mar
povoámos bancos de areia

apeadeiros

onde vigilantes
repousam aves apócrifas
que se levantam
à hora do entardecer