sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

VERTIGEM DE PALAVRAS







Arredondadas as arestas
nunca os meus olhos
foram exagerados
quando pensava ver os teus
à flor das águas

por sobre as margens
no tempo dos jacintos
e das marés vivas
a desandar por um fio
nada mais aconteceu
a não ser

uma certa vertigem
de palavras na escarpa


Eufrázio Filipe

 

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

POR UMA NESGA DE SOL






À míngua de relâmpagos
que não caem dos céus
desprendido
sono(lento)
de remelas remos
e memórias vivas
lá estava o barco
a caminhar
por uma nesga de sol
passo a passo
a semear bandeiras
o canto dos pássaros
no chão das águas


Eufrázio Filipe

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

ESTÁTUA NO EXÍLIO



                                                                                                       
                                                                


Sereníssima
oriunda dos melhores gestos
aos meus olhos
supera o criador

traz na voz
uma feira de barro
inscreve nas linhas
da palma das mãos
contornos de luz

Musa purificada de palavras
estátua no exílio

celebra o efémero
no mais íntimo dos espelhos


     Eufrázio Filipe



quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

ÁGUA DE BEBER







Não pediam esmolas
nem clemência
nem orações

não pediam
não choravam
nem temiam

queriam repartir
o sol a chuva a terra
o mar e o pão

Sem quebrarem uma pétala de sal
vagas altíssimas
mais altas que os céus

flores vermelhas
cor dos lábios
entoadas em coro

distribuíam aos pássaros
na concha das mãos

água de beber



domingo, 8 de fevereiro de 2015

UM SOPRO A PESTANEJAR NOS OLHOS







A princípio éramos assim
sonâmbulos potros
desacertados nas fortes crinas
e nos desejos
tão desejados
que nem pareciam desejos

assimétricos a convergir
num ponto brilhante
algures estampado no vazio
sem uma geografia determinada
mas firmes na espuma das águas

ancorados ao arrepio dos pássaros
nas crinas do vento
soltámos as gáveas

Ainda hoje transportamos
pátrias inteiras
gritos de alvorada
que se desprendem

relâmpagos
até a luz despertar
num coro de faúlhas
para dar às palavras
a leveza das cinzas

A princípio éramos assim
um sopro a pestanejar
nos olhos adocicados

e nem sabíamos porquê


Eufrázio Filipe


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

FLORES DE SAL







És o meu (a)mar
mesmo que os cães ladrem
sem dono
na praia deserta

desgrenhado na orla
dos belos precipícios
lavras escarpas
arredondas arestas
despojas-te de salivas
nos póros das areias

És o meu (a)mar
voz diáfana de cristais
onde despontam vertebrados
barcos remos e passos

as minhas mãos
nas tuas
flores de sal