quinta-feira, 26 de novembro de 2015

BEIJÁMOS AS PEDRAS





Lá onde todos os azuis
se reúnem para cantar
e os olhos cegam
num espelho de águas
dulcíssimos
nem sempre acontecem
pautas de timbres

mas tu trazias no corpo
um rasto de asas

na voz um sinal
que despertou contidos silêncios
vírgulas pestanejadas

e foi assim

quando soltaste os pássaros
neste jardim de corais

em pleno voo
beijámos as pedras


eufrázio filipe
 

sábado, 21 de novembro de 2015

SOMBRA DE LUZ


                                                 Eduardo Gajeiro



Quando despertei
a árvore
que ajudei a plantar
nos espelhos da memória
choviam
desejos paisagens sons
e foi assim
neste equilíbrio
fugaz de assimetrias
que escrevi no tempo
um espaço
para agitar o vento
mares salivas flores de sal
a prumo nos mastros
num desassossego de barcos

e foi assim
que organizámos jardins
bandos de pássaros
relâmpagos

Quando despertei
vesti o melhor fato
só para te ver

e tu lá estavas
sombra de luz.



 

domingo, 15 de novembro de 2015

TANTA LUZ


                                                      PUBLICADO EM 2011



 
Junto ao portão
os cães ladravam
aos outros cães
 
porque havia um portão
de faúlhas
e a noite acordava
com pássaros claros
 
e agora?
 
neste restolho de latidos
e gestos inacabados
que hei-de fazer
a tanta luz?
 
que hei-de fazer
quando te deitas
nas escadas do templo
a tecer fios de música
 
e os cães não se calam?
 
 
eufrázio filipe


 

sábado, 14 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 10 )

                                                 Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas


Avô - está ali uma senhora a chamar pela cadela da vizinha.

Só pode ser a vizinha.

A minha cadela saltou a vedação e anda por aí com o vosso cão.
Timóteo chama o Oli.
O Oli está debaixo da romãzeira a brincar com a cadela da vizinha.

A vida é uma surpresa minha senhora. Ontem dissemos ao Oli para respeitar o silêncio da sua cadela. Como vamos fazer?
Eu vou buscá-la . Importa-se que salte a vedação?

E foi assim, contra a vontade dos dois, separados, cada um ficou no seu espaço.

Avô - porque não ficaram cá todos?

Temos que respeitar o espaço de cada um.
A cadela tem dona, o Oli não.

Cabisbaixo, rabo entre as pernas e orelhas murchas chegou o Oli.
Não fiques triste.
Não fico triste? Eu estou triste.
Diz ao teu avô que não quero mais o paraíso.
Prefiro a rua da nossa cidade


eufrázio filipe


 

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 9 )


                                 aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas



Timóteo diz ao Oli que na cadela da vizinha ninguém toca. 

Ele só queria que não estivesse isolada. 

Certo - mas ele pode correr atrás dos coelhos que por aí andam a comer tudo na horta. 

Avô - disseste que estávamos no paraíso . 

Timóteo - os paraísos têm regras. Aqui todos somos livres como se estivéssemos numa prisão com as chaves no bolso. 
O Oli deve respeitar o silêncio da cadela da vizinha. 

Vou falar-lhe. 

Amigo - continua a ladrar para as estrêlas. 
És um bom tenor, mas para cantar em conjunto, tens de aprender 
a ouvir os pássaros. 

eufrázio filipe
  

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 8 )


                                aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas

Dormiste bem? 

Passei pelas brasas. O galo fartou-se de cantar. 
Estamos numa casa de campo para descansar. 

Mas tu também ladras às estrêlas. 

Tens razão, nós é que invadimos o seu espaço. 
Na cidade dormia bem com ruído, aqui oiço pássaros de todas as cores e protesto. 

Oli - quem sabe um dia na diferença da voz, daremos um concerto, fora do coreto, sem gente estranha a ouvir. 

Se for em família até podemos convidar a cadela da vizinha. 

A cadela da vizinha não canta - vive só. 

Por vezes sós mas nunca isolados. 

eufrázio filipe

  

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 7 )


                                Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas 




 Chegámos. Era Outono. 
As videiras estavam podadas e a casa ao fundo à nossa espera. 
Visitámos os galinheiros. Aplaudimos um bando de rolas, apanhámos uma romã e olhámos em frente para o castelo. 
O silêncio afagava todo o espaço como se estivéssemos no princípio do mundo. 
Avô - aqui só falta o jardim que eu não tenho na escola. 
Tens razão. Vamos plantar sonhos. 
Estás de acordo Oli? 
Eu sou um cão da cidade com vistas para o mar. 
Aqui só vejo terra, muita terra, muita terra. 
Logo à noite vou ladrar para as estrêlas me orientarem nesta aventura. 
Oli - queres dormir no galinheiro?
Um cão como eu só pode dormir a céu aberto. 
Mesmo que chova no paraíso. 

eufrázio filipe
 

terça-feira, 10 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 6 )


                                                     Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas 


Oli - tenho uma novidade. 
O avô tem um espaço rural para nós. Não é muito grande mas dá para todos. 
Queres vir? 

A quinta tem portão? 
Tem mas não é para te prender é para os outros não entrarem. 

Quando vamos à quinta?
Quando despontar uma nesga de sol. 
Então vamos amanhã. Ontem à noite quando ladrava para o céu, vi uma estrêla a brilhar nos meus olhos. Foi o sinal, porque nem todas as estrêlas olham para mim. 

E foi assim.
No dia seguinte lá fomos a caminho do paraíso. 

eufrázio filipe 

                                 

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 5 )


                                                   Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas 




O Outono brilhou por uma nesga e nós decidimos passear. 
Lá fomos a cantarolar. Música minha, letra do meu avô com arranjos do Oli. 

Pelo caminho até ao jardim da aldeia alguns cães sem abrigo juntaram-se a nós. 
Não sei porquê. 
Talvez gostássem da cantoria. 
Cumprimos o objectivo, chegámos ao coreto. 
Quando nos preparávamos para o concerto, o Oli disse em voz alta. 
Não canto mais. Está aqui muita gente desconhecida. 

A música acabou. 
Começou a chuviscar e os cães choraram. 
 

eufrázio filipe

 

domingo, 8 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 4 )


                                              Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas                                    
   

    Antes de falar com o cão, falei com o avô, que me deu um conselho. 
  
  Se o animal é teu amigo dá-lhe um nome. 
  
  Foi assim. 
  Deitei-lhe um copo de água na cabeça e chamei-lhe OLI. 

   Ele estranhou. 
   Abanou-se todo. 
   Repeti - Oli, Oli, Oli. 
   
   Parece que o estou a ouvir. 
   
   Ninguém pede para nascer. 
   Podias ter evitado o copo de água. 
   Não pedi nada, nem para ser baptizado, mas se foi da tua vontade, aceito que me chames Oli. 
   
   Eu vou chamar-te Timóteo 
   porque já ouvi o teu avô. 

   Aprecio as coisas simples da vida      



      eufrázio filipe

                                            

GARATUJAS ( 3 )


                                                           Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas


 Vim à rua e lá estava aninhado à nossa porta. 
Cumprimentámo-nos antes de lhe dar o entrecosto. 
Não comeu de imediato. 
Olhou para cima ladrou e só depois começou a trincar 

Avô - disseste-me que os cães, à noite ladram 
para as estrêlas. 

Estávamos no Outono, o céu cheio de nuvens, 
não vi estrêlas mas ele ladrou 
baixinho mas ladrou. 

Quando fechei a porta comecei a pensar 
um dia vou à fala com o meu amigo. 

 eufrázio filipe

sábado, 7 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 2 )



                                  Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos como se fossem garatujas 




Falei com o meu amigo de quatro patas e aprendi que precisava de espaço para ser livre. 
Aprendi a saber ouvir e ele disse-me 

Um cão como eu não é feliz numa varanda. 
Se fosse de barro terias de inventar uma vida para mim, mas não seria eu. 

Não devias mas atravessaste o jardim da tua escola pelo meio das flores. 
Sei que foi um sonho, mas apeteceu-te. 
A mim apetece-me ser teu amigo, sem dono.  
Foi por isso que te lambi a ferida e te olhei. 

Queres ser meu amigo?

Não faças como a flor com espinhos que te rasgou a perna. 
Sabes o que quero de ti?

Coça-me as orelhas, olha para os meus olhos. 


Eufrázio Filipe
 

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

GARATUJAS ( 1 )


                                                               Aceitei o desafio do meu neto para escrever uns textos 
                                                                               como se fossem garatujas 




Na rua chovia. As folhas das árvores caíam. 
Estávamos no Outono, mas hoje acordei com um sonho lindo. 
Apeteceu-me correr no jardim da escola, mesmo pelo meio das flores. Eu sei que não devia, mas apeteceu-me. 
Estou a falar de um sonho, porque a minha escola não tem jardim com flores. 
De repente tropecei numa flor com espinhos, caí, fiquei ferido numa perna. 
Ali fiquei no chão com muitas dores a chorar. 
De repente apareceu um cão e assustei-me. 
Não sabia o que fazer. 
Ele olhou para mim e lambeu-me a ferida. 
Cocei-lhe as orelhas e abanou o rabo de contente. 
Já acordado pensei no meu sonho lindo e disse 

Nunca mais corro pelo meio das flores, mas quero ter um amigo 
de quatro patas. 


 eufrázio filipe