segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

AMPLAS CLARIDADES






A última folha do Inverno
em pleno voo
cansada de todos os brilhos
libertou-se
quase etérea
num dédalo de luz

Ariadne desvendou os seus contornos
na inocência dos espelhos
celebrou por instantes
amplas claridades
e os barcos
para afagarem a sua nudez
se fizeram ao mar

Eufrázio Filipe
 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

NO CHÃO DOS BARCOS





Quando luziam
relâmpagos
no risco dos fósforos
ficavam mais sábios
os gestos lentos
demoradas as mãos
a desgrenhar os teus cabelos

deixávamos
um rasto fluorescente
para as aves
fazerem ninhos
na palha dos mastros
mais altos
e assim
ancorados
partíamos

estávamos sempre a partir
no chão dos barcos

Eufrázio Filipe

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

BAILADO DE CORES LÚCIDAS




Libertas-te por gestos
nas margens dos salgueiros
recolhes céus que desabam
no refúgio deste chão

Quando chove
na folha de papel
e se desmoronam as palavras
és o rio que mata a sede
timbre de outros mares

ergo-te pela cintura

és o meu rio

vicejas
num bailado de cores lúcidas

Eufrázio Filipe.

 

sábado, 13 de fevereiro de 2016

ROSA DE SAL




Neste chão de ressonâncias
marés vivas
marnotos
marinhas valentes
e outros relâmpagos
transportámos
um sol de mãos cheias
à cintura um mar de sargaços

Nus de tudo
soprámos o espinho
que nos sangrava as pétalas

descobrimos as mãos
e os lábios
ao entardecer

dulcíssimos
oferecemos ao rio
uma rosa de sal

Eufrázio Filipe  (Presos a um sopro de vento )

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

A VOZ OCULTA DA LUZ





As pedras marinhas de tão azuis
regressam à tona
juntam-se para respirar
a paciência das aves
cumprem destinos de migalhas
reanimam a voz oculta da luz
que se quer liberta insofrida

a coragem de lutar sobre ruínas

Eufrázio Fikipe

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

O RIO À NOSSA MESA


                                            Malhoa - praia das maçãs


Aparentemente livres
nas margens deste rio
insondáveis onde se cruzam brisas
e afagam retratos
recuperámos as nossas velas
transportámo-nos para o mar

No marulhar desta povoação
de silabas quase perfeitas
desaguámos lentos
desenhámos garatujas
na coluna dos barcos
sem amarração

De tão quedas as águas
recortámos memórias
em pedaços de tremulina
sentámo-nos nas margens
a invocar a sede
a rasgar com um sopro
uma espécie de tempestade

Livres e insondáveis
perguntámos ao rio
se queria sentar-se à nossa mesa
e ele disse que sim

Eufrázio Filipe (Para lá do azul )